terça-feira, 18 de agosto de 2009

Cidade Maravilhosa - É isso aí.

"Directamente da cidade maravilhosa, sim o Rio de Janeiro é realmente a cidade maravilhosa!!"

Já lá vão quatro dias desde que os cintos foram desapertados e que a nossa língua começou a ganhar "sotaqui" brasileiro. A galera já conhece as portuguesinhas e já está marcado o dia em que se irá cozinhar à moda portuguesa em cozinha brasileira. Sim portuguesinhas, as bolsistas da UFRJ, bolseira é "um monte de bolsa".A água de côco e o Leblon foram a primeira paragem, mas é em Botafogo que as noites se passam e o dia nasce a poente. Da janela avista-se o pão de açucar e o corcovado também não está muito longe. "Acham hilário? Isso!!!!"Aqui não se apanha sol, "si toma um sóu", mas não há dúvida, acabamos de entrar numa novela da Globo, onde até já nos cruzámos com a Julinha do Caminho das Índias, em pleno Calçadão!Mais "sambadinhas" e com água na boca depois do pão de queijo, do quindim, do chá de matte, da calabreza e do catupiry, as portuguesinhas já tiveram a primeira aula. Foi bom ser actriz da New Wave, as salas são pequeninas as mesas pouco cómodas, mas a aula de marketing foi "legal" - aqui "giro" não existe! A primeira chuva tropical começa a cair, mas os dias têm contado com mais de 30º. "Isso ai" é o Inverno. "Qui saco né? É dose", imaginem o Verão. Nem no Alentejo nem na Serra da Estrela é assim, mas parece que Portugal está em "toda a parte", até no Cinema onde " Aquele querido mês de Agosto" passa na sala 2, por R 15$.A privada é a sanita e a sua água gira ao contrário, são os milagres da Fisica, mas por aqui a Iemanjá e os Pai de Santo são bem mais milagreiros que a própria Ciência - " Traga seu amor e resolva seus problemas!"

Bem, por enquanto é tudo, e como dissemos no inicio, ainda só vamos em 4 dos 155 dias." Rio chegámos, mesmo com tanta gente acreditando qui só por milagre um dia estaríamos aqui ."

Ana Margarida Pinheiro
Ana Filipa Pinto
Rio de Janeiro

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Está frio.

Está frio. Sim, está. Em casa, resgataram-se as luvas, gorros e os cachecóis perdidos algures numa gaveta (daquelas que se esquecem…). Abotoou-se o casaco até ao fim. Contou-se até três para se ganhar coragem, abrir a porta e sair. Deixou-se para trás o cobertor, o aquecedor, a água quente do banho e a chávena de chá da noite anterior. Na cabeça, ecoou a palavra “alerta”, na voz do jornalista do telejornal da noite anterior. Apeteceu voltar e por lá ficar. Só até ao frio passar. Mas não.
Aconchega-se o corpo por entre tantas camadas de roupa, que por muitas que sejam parecem sempre tão poucas. Atravessa-se a rua a passos largos, de rosto quase vendado (tem vergonha do frio, se calhar). Apenas os olhos ficam por tapar… Afinal de contas, o frio não se vê, a não ser graças às pintinhas que deixa na pele arrepiada, espécie de rasto efémero. Vai-se sonhando com o café quente que aguarda no balcão de sempre. Já se ouve o tilintar da chávena quando nela bate a colher que, com tanta volta, lá dissolve o açúcar. E custa tanto respirar. E os movimentos estão perros como se há muito não se soubesse o que é dobrar um joelho, ou simplesmente, esticar o dedo indicador. E o nariz está vermelho, tal e qual rena Rudolfo. E os lábios ardem. E as bochechas congelam. E os bolsos não chegam para manter as mãos quentes. Mas pensa-se: “está quase”. E tudo parece custar menos. Até o frio.
E está mesmo. A porta de entrada é já ali. Uma última corrida. Um sorriso vitorioso, de sobrevivente. "Já passou", pensa-se. De repente, um espirro. É a derrota no jogo da “apanhada” com o frio. Resta ir em busca do reconfortante café...


(Hoje também atravessei a rua. Estava frio. Atravessei-a e cruzei-me com tantos que, como eu, sonhavam com o café quente. Que, como eu, jogavam à “apanhada” com o frio. Pensei que “estava quase”. E nem agora o frio me parece menor.)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A “Se’sofobia”

Um dia alguém inventou o “se”. Não se sabe porquê, como, onde e se saberia o que estava a fazer. Mas inventou-o. Estava inspirado. Lembrou-se. E se algum dia chegou a pensar no que fez ninguém sabe. A verdade é que o ser humano o adoptou como muleta perfeita para os seus medos, para as suas dúvidas, para aquilo que ganhou o próprio nome desta pesada partícula com apenas duas letrinhas – para os seus “se’s”. Não sei como não ganhou um prémio qualquer... Tamanha criação é digna de um génio!

“E se…”

“Mas se…”

“Então se…”

Se, se, se, se… Se nada, se tudo, se um pouco menos que nada, se um pouco mais que tudo. Se com batatas, se com chantilly. Se porque sim, se porque não. Se para ti, se para mim. Se… E que tal se deixássemos de dizer “se”, se deixássemos de sentir que somos escravos de “se's”?... Que aconteceria se acrescentássemos um “r” ao “se” e deixássemos de inventar tantos “se's” para justificar o medo de ser sem”se’s”? Esqueçam… “Que aconteceria se…” – não há solução, não há remédio… Fugimos do que nos persegue porque mora dentro de nós. Entrou sem pedir licença, acomodou-se… Tem medo do frio. Por aqui ficou e ficará… Até se cansar! E todas as noites digo baixinho: “Boa noite Sr. Se!” O “se” que já é visita regular à nossa consciência, membro vitalício da nossa existência, prótese inegável do nosso ser.

Porque se queremos ser, parece que temos que ser com “se’s”, muitos “se´s”… Ser com “Se’sofobia”!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Para a frente é que é o caminho.

De olhos postos no semáforo ainda vermelho, conta os carros que passam para não se lembrar de que afinal, está mesmo atrasada. Os carros passam. Não vê marcas nem cores. O hábito cega. Via apenas o semáforo. O dia era de chuva, céu cinzento carregado, chão escorregadio e repleto de poças. Um carro aproxima-se junto da passadeira. O semáforo continua vermelho. A chuva miudinha começa a cair. Enquanto procura o chapéu-de-chuva na carteira, o carro passa e aproxima a roda da berma onde a poça era profunda. A chuva vinda do chão misturada com lama cai sobre quem já não tinha os olhos postos no semáforo. Solta palavras de raiva e quando sente que as pessoas em torno de si avançam, faz o mesmo. Em silêncio.

Até à paragem do autocarro, todos que passam olham sem ver e caminham como se programados. Tal e qual máquinas humanas com pele, alma, coração mas que pelos vistos têm um interruptor ao lado onde diz "on/off". As passadas parecem estudadas, ponderadas mas automáticas. Ela também não desvia o olhar para o lado a não ser quando chega à paragem. A fila de pessoas é grande mas agora “é tudo rápido”, pensa para si. Falta um minuto para a chegada do autocarro mas esse minuto ficou intermitente mais de cinco. Mas chega. Abrem-se as portas e a fila rapidamente se define em frente da porta do autocarro, esquecida ou não da ordem de chegada inicial. Senta-se. Contrariamente ao habitual há um lugar livre. Sucedem-se as paragens, nada de novo e as calças continuam molhadas. Ao prever a chegada ao seu destino, levanta-se mas esquece-se de erguer o braço o suficiente para segurar a carteira que cai no chão do autocarro que já parou. As portas abrem e por entre encontrões e palavras menos simpáticas, baixa-se e apanha a carteira que todos fingem não ter visto cair. Sai.

Caminha de olhar erguido. Quer esquecer que está irritada. Com quem? Com o mundo, talvez. Calças molhadas, carteira segura e sorriso fechado. Põe os phones nos ouvidos. Assim os que passam julgam-na distraída e desistem do “bom dia”. Chegou a uma passadeira. Recua. Costumam dizer que ninguém cai duas vezes na mesma esparrela. O semáforo abre para os peões e ela avança. Nos carros, parados perante a sua passagem, vê mundos sobre rodas esquecidos dos mundos que ao seu lado também pararam. Uns falam ao telemóvel através do kit mãos livres – parecem discutir com ninguém, consigo mesmos, com o mundo sem rodas que passa lá fora e que afinal é mudo. Outros batem com os dedos no volante ao ritmo da música que se pode adivinhar. Há ainda quem aproveite para se pentear, retocar a maquilhagem, obrigar o espelho a não denunciar as imperfeições das máscaras que nem sempre disfarçam a ruga e o tempo que já passou. Acelera o passo. Chegou ao outro lado e não olhou para trás. Para a frente é que é o caminho. Pelo menos é para lá que todos parecem querer ir. Até porque o mundo já não é o que era. Já ninguém olha para os lados, muito menos para baixo. E ousar olhar para trás é pecado, crime. É como se nada ficasse para trás, como se nada pudesse ficar para trás, como se não existisse “para trás”. E agora não há volta a dar. Ou até há, mas não para trás. Por isso, para a frente é que é o caminho.

sábado, 18 de outubro de 2008

Sem tempo.

Apressados e de olhar fixo no chão, descem os degraus ao compasso dos ponteiros. Parecem esquecidos de que em torno deles um mundo também gira. Brincam com as mãos e os pensamentos, fecham os olhos para enganar o sono, balançam-se sobre os pés, arregaçam, de minuto a minuto, as mangas para vislumbrar o mostrador que pouco ou nada mudou desde há pouco. É vício, é mania, é hábito. Os rostos são os de sempre, os de todos os dias. Batem com o pé no chão, assobiam algo irreconhecível, olham sem ver para todas as direcções como que em busca de algo que não chega, que já deveria ter chegado, que sabem que vai chegar. Uns sentam-se, outros levantam-se. Uns param, outros percorrem a plataforma. Uns folheiam à pressa uma revista repleta de títulos gordos e imagens grandes, outros lêem atentamente os artigos mais minúsculos. As crianças encostam as cabeças aos ombros das mães ou acabam de beber o leite com chocolate que não tiveram tempo de acabar antes de sair de casa. Ou talvez, que a mãe não teve tempo para deixar acabar antes de saírem de casa. Afinal, o tempo é coisa de gente grande. Só se aprende a ver as horas na escola, onde há alguém com tempo para ensinar. Até lá, vive-se na ignorância inocente de quem sabe ser feliz com tempo para o ser. Tudo porque não se sabe ler o tempo.
Ouve-se a música do arranque. E todos, de modo sincronizado e quase ensaiado, se aproximam do limite da plataforma. Em marcha lenta, a travagem é suave. Ouve-se aquele alarme ensurdecedor que desperta o mais adormecido dos corpos, a mais adormecida das almas. As portas recolhem. E num só impulso, uma multidão imensa tenta entrar em simultâneo sem pedir licença, como se estivesse certo de ter sido o primeiro a chegar à estação. Lá dentro, correm todos para os lugares vagos quando os que mais necessitam deles não podem correr. Resta-lhes ficar de pé aguardando a boa vontade que os manuais de etiqueta costumam ensinar e que há muito, não passa de mera obrigação. De novo, ouve-se o alarme ensurdecedor. As portas vão fechar. Ainda há quem corra, quem tente ser mais veloz que o fechar das portas. Mas chega apenas a tempo de embater contra elas deixando a mão escorregar pelo vidro, como quem se despede de algo “seu”. A desilusão no olhar e a conformidade fazem-no recuar, deixando partir quem chegou a tempo. Com tempo.
O negrume dos túneis, o balançar da carruagem, o calor do casaco abotoado até ao limite e o desejo de que a viagem não acabe e deixe fechar os olhos a quem não teve tempo para dormir. Os phones nos ouvidos não impedem que todos oiçam a mesma música. Telemóveis que tocam, conversas que se escutam sem querer, vidas que se conhecem, se partilham, se guardam em segredo como se da própria vida se tratasse. Primeira paragem. De cara engelhada pelas rugas que não disfarçam a idade consegue, por sorte ou mero acaso, agarrar-se ao jovem distante daquele mundo, mergulhado no seu mundo, que viajava mesmo ao seu lado quando de repente, perdeu o equilíbrio. “Obrigado”. “Não tem de quê”. Saem. Não há tempo para mais. E as palavras custam tempo.
O metro arranca. A renda, tirada como por magia daquele saco, ajuda a enganar o tempo. Linhas que se cruzam e entrecruzam ao sabor da vontade de quem comanda as agulhas sem hesitar. Uma quase máquina esquecida do tempo quando afinal, o ser humano não passa de uma máquina que só funciona alimentada por tempo. Um bebé chora. Um casal beija-se, abraça-se, implora por voltar atrás no tempo. Por enganar a despedida e ficar assim, parado no tempo, como se tivessem todo o tempo do mundo. Com medo de perder tempo, ela tenta falar por entre o beijo, jurar ser para sempre, jurar não haver tempo algum que os separe. Mais uma paragem. Ele vai. Ela fica. O tempo não pára. Ele ainda olha para trás. Mas ela já escondeu o rosto por entre as mãos. Ele ainda recua. Mas o alarme já soou na estação. Ele ainda corre. Mas as portas já fecharam. Ela deixa cair uma lágrima. Ele ainda grita. Ela já não ouve. Mas ainda sente. Ele já baixa o rosto, vencido. Ela ainda o procura na multidão. Ele ainda ergue o olhar. Ela ainda diz “amo-te” em silêncio, só com os lábios. Ele já não vê. Mas ainda sente. Ela vai. Ele fica. Acabou o tempo.
Passa o pedinte abanando a caixinha metálica das esmolas. Todos espreitam pelo canto do olho, poucos se desfazem de uma moeda. A criança deixa cair uma bolacha. O segurança percorre a carruagem. “Tire os pés de cima do banco por favor”. Estação terminal. Saem todos. Passo acelerado. É preciso ser o primeiro a validar o passe. É preciso ser o primeiro a subir as escadas rolantes que serviam do mesmo se não o fossem. É preciso ser o primeiro a encontrar a saída. É preciso ser o primeiro a chegar à superfície, ao mundo. Arregaça a manga, passaram 25 minutos desde a última vez que olhou para o mostrador. Já passou tanto tempo. Mas não há tempo para pensar no tempo que falta para o tempo acabar. Não há tempo a perder. Não há tempo para pensar. Não há tempo para olhar. Não há tempo para amar. Não há tempo para viver. Não há tempo.